Romaria da Terra rodeada de erva-mate

Dom Aloísio Alberto Dilli 
Bispo de Santa Cruz do Sul (RS)

 

Caros diocesanos. Quem de nós gaúchos não lembra os tempos da infância, quando se cantava, na família ou na escola, o sonoro estribilho: “Chimarrão com água quente, numa cuia com bombinha, faz milagre e livra gente de qualquer indigestão. Chimarrão (3x)”. Muito cedo participávamos da roda familiar em que circulava, de mão em mão, a mesma cuia e a mesma bomba que passava por todos os adultos e, mais tarde, para as crianças, com direito a uma forte dose de açúcar. Sim, o chimarrão de erva-mate era como um sacramento de comunhão familiar.  

Em tempos de Romaria da Terra, cercados pelo ambiente da erva-mate, é importante perguntar sobre a procedência dessa tradição, tão presente entre nós, até hoje. Sua origem remonta aos nossos irmãos indígenas, que habitavam o sul da América, em nosso caso, no Rio Grande do Sul e mais especificamente, também na atual Ilópolis = Terra ou cidade da erva-mate. Há vestígios de antigos povos indígenas por toda região. Foram estes nativos que nos deixaram como herança o uso desta planta para o chá, que chamamos chimarrão. Conhecida como Erva-mate e de nome científico Ilex Paraguaiensis, ela é nativa do bioma da Mata Atlântica. O uso vai desde o mascar até o o tomar como chá ou chimarrão. Os indígenas, ao prová-la, perceberam que ficavam mais dispostos com seu uso, considerando-o estimulante natural. Usavam porongos ou gomos de taquara, inserindo um caninho da mesma planta. Preparava-se a erva-mate a partir dos galhos da planta nativa, que eram sapecados pelo fogo e depois socados num pilão; e assim surgia o que hoje usamos: a erva-mate amplamente industrializada.  

No município de Ilópolis/RS existem atualmente mais de trinta ervateiras ou agroindústrias de erva-mate da melhor qualidade, com ofertas do produto para todo país, tornando-se a principal economia da região. Outros municípios vizinhos seguem o mesmo rumo. A questão da cultura indígena e a produção de erva-mate, na esteira da agroecologia e da agricultura familiar, foram motivos fortes para que a 44ª Romaria da Terra fosse realizada nessa região do Estado, pois se tornam excelentes sinais de esperança, inclusive para os jovens que buscam uma vida agroecológica sadia e de promissor rendimento, permanecendo no interior e cuidando da mãe terra, nossa casa comum, segundo o Papa Francisco, o qual também gosta de um chimarrão brasileiro ou mate argentino. 

Todos nós temos histórias interessantes para contar sobre o chimarrão, até o bispo as recorda. Sempre me impressionou a importância que se dava ao rito do tomar chimarrão na família, momento sagrado de encontro, de partilha de vida, com finalidades diversas. Visitar um vizinho se expressava com palavras simples e verdadeiras: “Vou tomar um chimarrão na tua casa, amanhã” ou “Vem tomar um chimarrão e fechamos o negócio da compra”. E outras semelhantes, em que “tomar um chimarrão” era sinônimo de “encontrar-se com as pessoas”. Em tempos de infância, ouvia falar que alguns agricultores mais pobres secavam a erva ao sol, depois de a terem usado, como forma de economia. Mas nunca imaginei que um dia eu mesmo o faria, quando estudava em Roma, onde a erva-mate era uma raridade para nós, gaúchos. Sim, a gente a secava e misturava com parte da erva nova para render mais e chimarrear por mais tempo numa cuia bem pequena. Também nunca imaginei que um dia eu iria comprar erva-mate em gramas, numa casa especializada de chás, na Alemanha. Foi nesse país que um dia alguém disse em sua língua: “Ihr, mit Eurem Spinatwasser!” (= Vocês, com vossa água de espinafre!)”.  

Finalizando, sinto necessidade de agradecer aos irmãos indígenas por nos terem transmitido essa rica cultura do saboroso chimarrão. Boa romaria, na terra da erva-mate! 

 

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