Dom Eurico dos Santos Veloso
Arcebispo Emérito de Juiz de Fora (MG) 

 

 

Estamos celebrando, transferido do último dia 1, neste domingo dia 6 de novembro de 2022, a Solenidade de Todos os Santos. A Lumen Gentium no número 39 ensina que: “A Igreja é indefectivelmente santa: Cristo amou-a como sua esposa e deu-se a si mesmo por ela a fim de santifica-la; por isso todos na Igreja são chamados à santidade”. A Igreja prega o mistério pascal nos santos que sofreram com Cristo e com Ele são glorificados. A Igreja propõe aos fiéis seus exemplos, que atraem todos ao Pai por meio de Cristo, e implora por seus merecimentos e benefícios de Deus. 

Nesta festa, uníssonos, celebramos, junto com os santos canonizados, todos os justos de toda raça e nação, cujos nomes estão inscritos no livro da vida (Ap 20,12). 

Na Primeira leitura (Ap 7,2-4.9-14): como descrever a felicidade dos mártires e dos santos na sua condição celeste, invisível? Para isso, o profeta recorre a uma visão. O Apocalipse nos ajuda a entender quem são os santos. Santos são 144 mil, 12 vezes 12 mil. O número é simbólico. Refere-se a uma multidão incontável de pessoas oriundas de todas as partes da Terra. Doze é o número do completo. Trata-se da completa totalidade do Povo de Deus, uma multidão incontável de todas as raças, línguas e povos. Os santos são aqueles que lavaram e alvejaram suas roupas, a sua vida neste mundo, no Sangue do Cordeiro. Chegam diante do Trono de Deus, vestidos de branco e trazendo palmas nas mãos. Palmas nas mão porque venceram com, por e em Cristo. Alvejaram suas vestes no Sangue de Jesus, mas ao invés de encardir, suas roupas reluziam de brancura. 

O Salmo responsorial 23: o salmo de hoje proclama as condições de entrada no Templo de Deus. Ele anuncia também a bem-aventurança dos corações puros. Nós somos este povo imenso que marcha ao encontro do Deus santo. 

A Segunda leitura (1Jo 3,1-3): desde o nosso batismo, somos chamados filhos de Deus e o nosso futuro tem a marca da eternidade. Somos filhos de Deus, mas ainda nem se manifestou o que, de fato, seremos. Quando Jesus se manifestar em sua glória, seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como Ele é. 

No Evangelho (Mt 5,1-12a): que futuro reserva Deus aos seus amigos, no seu Reino celeste? Ele próprio é fonte de alegria e de felicidade para eles. Contemplando as oito bem-aventuranças proclamadas por Jesus, contemplamos como que oito rotas ou estradas que nos levam para diante do Trono de Deus, para que possamos louvar ao Pai e ver Jesus tal como Ele é! As bem-aventuranças são o caminho da santidade. Mansidão, pureza, promoção da paz, misericórdia, para citar apenas alguns dos trilhos para a eternidade santa e feliz. São as características visíveis daqueles que, em meio às tribulações e forças opostas, não se cansam de sua felicidade a Jesus, o Cordeiro Santo de Deus! 

As “bem-aventuranças” que, neste primeiro discurso, Mateus coloca na boca de Jesus, são consideravelmente diferentes das “bem-aventuranças” propostas por Lucas (cf. Lc 6,20-26). Mateus tem nove “bem-aventuranças”, enquanto Lucas só apresenta quatro; além disso, Lucas prossegue com quatro “maldições”, que estão ausentes do texto mateano; outras notas características da versão de Mateus são a espiritualização (os “pobres” de Lucas são, para Mateus, os “pobres em espírito”) e a aplicação dos “ditos” originais de Jesus à vida da comunidade e ao comportamento dos cristãos. É muito provável que o texto de Lucas seja mais fiel à tradução original e que o texto de Mateus tenha sido mais trabalhado. 

As “bem-aventuranças” são fórmulas relativamente frequentes na tradição bíblica e judaica. Aparecem quer nos anúncios proféticos de alegria futura (cf. Is 30,18; 32,20; Dn 12,12), quer nas ações de graças pela alegria presente (cf. Sl 32,1-2; 33,12; 84,5.6.13), quer nas exortações a uma vida sábia, refletida e prudente (cf. Prov 3,13; 8,32.34; Eclo 14,1-2.20; 25,8-9; Sl 1,1; 2,12; 34,9). Contudo, elas definem sempre uma alegria oferecida por Deus. 

As “bem-aventuranças” evangélicas devem ser entendidas no contexto da pregação sobre o “Reino”. Jesus proclama “bem-aventurados” aqueles que estão numa situação de debilidade, de pobreza, porque Deus está a ponto de instaurar o “Reino” e a situação destes “pobres” vai mudar radicalmente; além disso, são “bem-aventurados” porque, na sua fragilidade, debilidade e dependência, estão de espírito aberto e coração disponível para acolher a proposta de salvação e libertação que Deus lhes oferece em Jesus (a proposta do “Reino”). 

As quatro primeiras “bem-aventuranças” referidas por Mateus (vers. 3-6) estão relacionadas entre si. Dirigem-se aos “pobres” (as segunda, terceira e quarta “bem-aventuranças” são apenas desenvolvimentos da primeira, que proclama: “bem-aventurados os pobres em espírito”). Saúdam a felicidade daqueles que se entregam confiadamente nas mãos de Deus e procuram fazer sempre a sua vontade; daqueles que, de forma consciente, deixam de colocar a sua confiança e a sua esperança nos bens, no poder, no êxito, nos homens, para esperar e confiar em Deus; daqueles que aceitam renunciar ao egoísmo, que aceitam despojar-se de si próprios e estar disponíveis para Deus e para os outros.  

Os “pobres em espírito” são aqueles que aceitam renunciar, livremente, aos bens, ao próprio orgulho e autossuficiência, para se colocarem, incondicionalmente, nas mãos de Deus, para servirem os irmãos e partilharem tudo com eles. 

Os “mansos” não são os fracos, os que suportam passivamente as injustiças, os que se conformam com as violências orquestradas pelos poderosos; mas são aqueles que recusam a violência, que são tolerantes e pacíficos, embora sejam, muitas vezes, vítimas dos abusos e prepotências dos injustos… A sua atitude pacífica e tolerante torná-los-á membros de pleno direito do “Reino”. 

Os “que choram” são aqueles que vivem na aflição, na dor, no sofrimento provocados pela injustiça, pela miséria, pelo egoísmo; a chegada do “Reino” vai fazer com que a sua triste situação se mude em consolação e alegria… 

A quarta bem-aventurança proclama felizes “os que têm fome e sede de justiça”. Provavelmente, a justiça deve entender-se, aqui, em sentido bíblico – isto é, no sentido da fidelidade total aos compromissos assumidos para com Deus e para com os irmãos. Jesus dá-lhes a esperança de verem essa sede de fidelidade saciada, no Reino que vai chegar. 

O segundo grupo de “bem-aventuranças” (vers. 7-11) está mais orientado para definir o comportamento cristão. Enquanto no primeiro grupo se constatam situações, neste segundo grupo propõem-se atitudes que os discípulos devem assumir. 

Os “misericordiosos” são aqueles que têm um coração capaz de compadecer-se, de amar sem limites, que se deixam tocar pelos sofrimentos e alegrias dos outros homens e mulheres, que são capazes de ir ao encontro dos irmãos e estender-lhes a mão, mesmo quando eles falharam. 

Os “puros de coração” são aqueles que têm um coração honesto e leal, que não pactua com a duplicidade e o engano. 

Os “que constroem a paz” são aqueles que se recusam a aceitar que a violência e a lei do mais forte rejam as relações humanas; e são aqueles que procuram ser – às vezes com o risco da própria vida – instrumentos de reconciliação entre os homens. 

Os “que são perseguidos por causa da justiça” são aqueles que lutam pela instauração do “Reino” e são desautorizados, humilhados, agredidos, marginalizados por parte daqueles que praticam a injustiça, que fomentam a opressão, que constroem a morte… Jesus garante-lhes: o mal não vos poderá vencer; e, no final do caminho, espera-vos o triunfo, a vida plena. 

Na última “bem-aventurança” (vers. 11), o evangelista dirige-se, em jeito de exortação, aos membros da sua comunidade que têm a experiência de ser perseguidos por causa de Jesus e convida-os a resistir ao sofrimento e à adversidade. Esta última exortação é, na prática, uma aplicação concreta da oitava “bem-aventurança”. 

No seu conjunto, as “bem-aventuranças” deixam uma mensagem de esperança e de alento para os pobres e débeis. Anunciam que Deus os ama e que está do lado deles; confirmam que a libertação está a chegar e que a sua situação vai mudar; asseguram que eles vivem já na dinâmica desse “Reino” onde vão encontrar a felicidade e a vida plena. 

Viver as Bem-Aventuranças é buscar a felicidade de quem pretende avançar e prosseguir sempre no caminho do Mestre Jesus. Bem-aventurado é santo, porque expressa que a pessoa fiel a Deus e que vive sua Palavra alcança, na doação de si mesma, a verdadeira felicidade. As Bem-Aventuranças são a identidade do cristão e o melhor caminho para chegar à santidade. Não tenhamos medo de cantar, com grande entusiasmo, a Ladainha de Todos os Santos para que eles nos inspirem e animem a trilhar na terra o caminho do céu! 

 

 

Tags:

leia também