Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ
A liturgia deste XXVII domingo do tempo comum nos apresenta a temática da vinha. Ela recorda-nos uma história de amor, misteriosa, triste e destinada a nos fazer pensar. É a história do Povo de Deus. Aqui a história é apresentada em forma de parábola, uma parábola do amor de Deus, o Amado, por sua vinha; uma parábola de decepção, de vinhateiros assassinos, de um Filho querido jogado fora da vinha.
A primeira leitura fala da vinha de Deus, no Antigo Testamento, é o povo de Israel. Quem usou esta figura foi o profeta Isaías, no “Cântico da vinha” (Is 5,1-7): o proprietário dedicou todos os cuidados à vinha, mas ela não produziu frutos, e sim, espinhos: em vez do direito, produziu assassinatos; em vez de justiça, lamentos… (Is 5,7).
No Evangelho (Mt 21,33-46) Jesus conta a seguinte história: o proprietário de uma vinha manda seus empregados aos meeiros que exploram a vinha, para cobrar a parte do produto que lhe cabe. Mas os meeiros maltrataram os empregados. O proprietário manda uns empregados, pela segunda vez, e os meeiros reagem da mesma maneira. Na terceira vez, ele manda seu próprio filho, achando que a este respeitarão. Mas os meeiros, pelo contrário, raciocinam que ele é o herdeiro e que, matando-o, eles vão ficar com a vinha, porque não haverá mais ninguém para reclamá-la. Então, Jesus pergunta aos chefes dos judeus (os sacerdotes e os anciãos) o que esse proprietário fará, e eles respondem: “certamente vai arrasar esses criminosos e passar a vinha para outros, mais confiáveis”. Sem lhes dizer expressamente que são eles mesmos os tais meeiros, Jesus lhes faz entender que aquele que é rejeitado é aquele sobre quem se deve construir o edifício – ele mesmo: “A pedra rejeitada pelos construtores tornou-se a pedra angular” (Sl 118, 22-23).
No Evangelho, não é o povo de Israel que não corresponde ao Deus que espera dele. São os seus “gerentes”, os anciãos e os sacerdotes, que se apropriam da herança de Israel como se fosse sua e excluem os enviados de Deus (os profetas) e o próprio “filho de Deus” – Jesus, quando eles reclamam frutos de justiça.
Nas mãos de suas lideranças, o povo tornara-se o povo dos anciãos, dos escribas e dos sacerdotes, que o impediam de produzir os frutos que Deus esperava, além de matarem os enviados de Deus, principalmente Jesus. O povo deveria ser como que a casa e família de Deus no meio do mundo (Ex 19,6), para que o mundo pudesse reconhecer o jeito de Deus na justiça do povo, tornou-se joguete da arbitrariedade dos chefes. É isso que Jesus critica, ainda que lhe custe a morte. Mas a sua morte será a pedra angular (a pedra de sustento do edifício) do novo povo de Deus. E este novo povo será bem mais amplo que aquele que foi constituído pelas tribos de Israel. Será o novo Israel da comunidade cristã aberta a todas as etnias e culturas.
Este Evangelho deste domingo nos leva a refletir a respeito: devemos, sim, perguntar pela nossa fidelidade a Deus que, em Jesus, nos fez ramos da sua nova vinha! Que frutos, caríssimos, estamos dando? Uvas doces? Uvas azedas? Quais são nossos frutos? São nossas obras, são nossas atitudes, é nosso modo de viver? O Senhor espera de nós uma vida segundo a sua vontade, segundo aquilo que o Senhor Jesus nos mostrou e viveu; o Senhor espera de nós um testemunho de amor profundo a ele, para que o mundo descubra e corresponda ao seu amor!
Na segunda leitura ((Fl 4, 6-9) o Apóstolo nos exorta: “Irmãos, ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, respeitável, justo, puro, amável, honroso, tudo o que é virtude ou de qualquer modo mereça louvor. Praticai o que aprendestes e recebestes. Assim o Deus da paz estará convosco”. Eis aqui um belo programa de frutos dados por um ramo enxertado em Cristo!
A parábola que o Senhor Jesus nos conta é um resumo de toda a história da salvação com os seus progressos e os seus retrocessos. Da parte de Deus, ele sempre a fez progredir. No que diz respeito ao ser humano, havia progresso quando ele correspondia à vontade de Deus; retrocesso, quando as pessoas se rebelavam contra o querer de Deus. Finalmente, “Deus enviou o seu próprio Filho, que nasceu de uma mulher e nasceu submetido a uma lei, a fim de remir os que estavam sob a lei, para que recebêssemos a sua adoção” (Gl 4,4-5). Desta maneira, o homem pôde corresponder perfeitamente à vontade do Pai. Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, viveu intensamente a vontade do seu Pai do céu.