Dom Edney Gouvêa Mattoso
Bispo de Nova Friburgo (RJ)
Caros amigos, este ano somos convidados pela Igreja no Brasil à superação da violência pela construção de um mundo mais fraterno e pela promoção da cultura de paz, da reconciliação e da justiça. Para isso, é preciso compreender que esta reflexão não se limita à esfera da violência caracterizada pelo uso intencional da força física, antes se faz necessário entender que a fonte da violência é o coração humano que vive distante da Verdade.
O Homem, criado à imagem e semelhança de Deus, vivia no paraíso em estado de amizade com o Criador e de harmonia consigo e com toda a criação. Pelo pecado da desobediência foi perdido este estado de harmonia prevista no plano de Deus (cfr. Catecismo, 374-379). Deste modo, o pecado é, por assim dizer, a primeira forma de violência sofrida pelo Homem. Por ele, entra no mundo a morte e o sofrimento (cfr. Rm 5,19), instaura-se no coração humano a concupiscência e a injustiça.
A narração bíblica testemunha que a consequência do pecado é a ruptura do Homem com Deus, consigo e com o mundo circunstante, rompe-se o fio da amizade que une toda a família humana. O homem e a mulher acusam-se um ao outro como responsáveis pela queda (cfr. Gn 3,12), um de seus filhos, por inveja, tira a vida do irmão (Gn 4,2-16), dentre tantos outros fatos que evidenciam a hostilidade instaurada nas relações, como fruto da ganância e da inveja. (cfr. Compêndio da Doutrina Social, 116).
Não podemos nos esquecer que a indiferença religiosa e a rejeição à Revelação difundidas na mentalidade hodierna, fazem diminuir em nosso meio o sentido da aliança de Deus e do valor dos seus mandamentos. Não é exagero dizer que o abandono de alguns valores morais fundamentais tem sua origem na perda do sentido do pecado. (cfr. São João Paulo II, ângelus de 25/08/1999).
O mistério do pecado é formado por uma dupla ferida, que o pecador abre no seu próprio seio e na relação com o próximo. Por isso, pode falar-se de pecado pessoal e social: todo o pecado sob um aspecto é pessoal, e todo o pecado sob um outro aspecto é social, enquanto e porque tem também consequências sociais (Reconciliatio et paenitentia, 15).
O pecado, no sentido próprio e verdadeiro, é sempre um ato de um homem individualmente considerado e, por isso, tem suas primeiras e mais importantes consequências no próprio pecador, enfraquece-lhe a vontade e obscurece-lhe a inteligência, além de atrapalhar sua relação com Deus. Contudo, “em virtude de uma solidariedade humana tão misteriosa e imperceptível quanto real e concreta, o pecado de cada um repercute, de algum modo, sobre os outros” (idem, 16).
A avidez exclusiva do lucro, a sede do poder e o fechamento nas ideologias, com o objetivo de impor ao outro a sua própria vontade faz crescer na sociedade estruturas de pecado que promovem a violência, ferem a dignidade humana e corrompem a busca pelo bem comum.
Urge restituir à consciência o sentido de Deus, de sua misericórdia e da gratuidade de seu amor para com toda a sua criação, e, por conseguinte, reconhecer a gravidade do pecado. Pois, faz parte do caminho de superação da violência e das estruturas de pecado o reconhecimento de que somos pecadores. É preciso aceitar, como Davi, a nossa indignidade, confessar nossa infidelidade (cfr. 2 Sam 12, 13) e, assumir o compromisso de converter o coração (cfr. Sl 50,19).
A experiência do amor de Deus nos faz romper com o pecado, e faz crescer em nosso coração a humanização integral e a cultura do encontro e do relacionamento, condições para a promoção do bem comum e da felicidade de viver.