Dom Dirceu de Oliveira Medeiros
Bispo de Camaçari (BA)
Neste ano vocacional é sempre bom aprofundar o chamado dos profetas. Há algo peculiar neste gênero literário bíblico. O chamado se compõe, basicamente, de quatro elementos: a iniciativa de Deus, é sempre Ele quem chama; a objeção daquele que é chamado e que alega ser incapaz; a promessa do Senhor que diz “estarei contigo” e, finalmente, a disposição em seguir. Eis-me aqui, envia-me.
Há uma nota destoante quando observamos o projeto Jonas. Jonas é um profeta relutante, resiste em ir à Nínive, a grande cidade. Termina engolido por um mostro marinho e vai à Nínive quase que obrigado. É a “síndrome de Jonas.” O comportamento de Jonas nos recorda aquela parábola de Jesus dos dois irmãos. O primeiro prometeu ir trabalhar na vinha, no entanto, não foi, enquanto o segundo afirmou que não iria e acabou indo. Enfim o que importa é o “ir” e não o que se fala. O comportamento se sobrepõe ao falar ou a promessa. Contudo é certo que quem não adequa sua vida ao chamado de Deus, condição sine qua non, para uma plena autorrealização, acaba sendo engolido pelo mostro do seu Ego.
A figura de Jonas ainda nos faz pensar em nossa realidade urbana que nos desafia e à Igreja inteira. Como ir à grande cidade? Por onde começar o trabalho? Quais as forças existentes ali podemos ativar para que o fermento do Evangelho possa levedar essa massa? Em que pese que a cultura urbana, nos dias atuais, atinge já também o meio rural, mas é evidente que evangelizar as metrópoles e as grandes cidades tornou-se um desafio pastoral.
Partilho uma experiência. Um sacerdote, recentemente, falou de um itinerário pastoral criado por ele mesmo. O projeto “orar com a cidade”. Descobrir e visitar aqueles lugares onde Deus transparece na cidade. Não podemos parar naquela frase de uma canção “a cidade que tem braços abertos no cartão postal, mas os punhos fechados pra vida real”. Não se nega esta verdade tão evidente, mas é preciso “Orar com a cidade”. Recém chegado à Bahia, pouco a pouco, tenho procurado descobrir essa presença quase escondida. É necessário fazer como o personagem do livro dos Cantares de Salomão que procura o amado: “me levantei cedo e andei por toda a cidade, pelas ruas e pelas praças. Eu procurei o meu amado; procurei, mas não o pude achar. Os guardas que patrulham a cidade me encontraram, e eu perguntei: “Vocês viram o meu amado?” (Ct 3, 2-3) Importa descobrir as pequenas ilhas onde se é possível contemplar esse Deus que por vezes se esconde e se revela na cidade.
Atrevo-me a elencar algumas delas que encontrei. O santuário de Santa Dulce dos Pobres, aquela mulher frágil e gigante que deixou uma profunda marca nestas terras. A Igreja da Trindade que acolhe a população de rua e tornou-se um oásis de fé e vivência ecumênica. A creche católica da comunidade dos novos alagados que, há trinta anos, semeia esperança naquela região. Um grupo de jovens do movimento Aliança de Misericórdia, que encontrei por acaso e que vive na rua e se dedica a cuidar das pessoas em situação de rua. São as surpresas de Deus, como ensina o Papa Francisco.
Concluo. Convido você, habitante de uma grande cidade, a adotar esse método “Orar com a cidade”. É preciso rezar a cidade e com a cidade e descobrir em meio a esse emaranhado de lógicas que compõe o mundo urbano, os pequenos sinais da presença desse Deus que ora se revela e ora se esconde, mas que está no meio de nós.