Dom Pedro José Conti

Bispo de Macapá

Um pastor, que levava suas ovelhas para pastar em uma aldeia distante, gostava de fazer a seguinte brincadeira: gritava “os lobos estão atacando!” E clamava pelo socorro dos habitantes locais. Duas, três vezes, os moradores ficaram com medo e fugiram da cidade, para depois voltarem rindo. Mas os lobos terminaram atacando de verdade. Como estavam devorando os carneiros, o pastor gritou por socorro. Os moradores pensaram que fosse mais uma brincadeira e não lhe deram nenhuma atenção. Foi assim que o pastor perdeu seu rebanho. Ninguém acredita no mentiroso mesmo quando diz a verdade.

Existem muitas versões dessa fábula, mas todas têm a mesma moral a qual chegou, no nosso caso, Esopo. Verdade x mentira e como distinguir o mentiroso do que diz a verdade, são questões tão antigas quanto a humanidade. Existem mentiras tão bem contadas que parecem verdades; e  verdades tão difíceis de se acreditar que são consideradas praticamente mentiras. Dizemos, também, que a mentira tem as pernas curtas – porque a qualquer momento pode ser desmascarada – porém, às vezes, ela consegue ir muito longe e, hoje, espalha-se com uma velocidade nunca imaginada. Muitas vezes, existem tantas versões e relativas interpretações de um acontecimento  que, no final, a verdade fica sepultada pelas palavras. Em outros casos existem mentiras “politicamente corretas” e, portanto, espalhadas, que abafam verdades consideradas inconvenientes e, portanto, silenciadas. Há mentiras que fazem estragos e acabam com a vida das pessoas. Assim também encontramos verdades que doem e que, a muito custo, são aceitas como tais. Cada um de nós, com certeza, teria muitos casos para contar.

Jesus, no evangelho deste domingo, resolve a questão ensinando: “Seja o vosso ‘sim’ ‘sim’ e o vosso ‘não’ ‘não’. Tudo o que for além disso vem do maligno”. Bendita simplicidade.  Bendita a pessoa que não tem nada para esconder e, por isso, não tem medo da verdade. Nesse sentido, parece-me, Jesus vai fundo com as suas exigências.

O bom êxito de um matrimônio também pode ser, muitas vezes, questão de verdade e sinceridade. Sem dúvida, uma verdade que ainda deve ser fortalecida passando pelas alegrias e pelas provações da vida. No entanto não se deveria construir uma família sobre a mentira ou o interesse individual. Em lugar de dizer: “Eu te amo”, na hora do casamento, talvez deveria ser dito: Eu me amo e por isso te quero como esposo ou como esposa. Seria mais claro e honesto para todos. Em qualquer ambiente, incluindo a Igreja, sempre podem aparecer pessoas aparentemente devotadas à causa, mas, de fato, interessadas em se promover. Ninguém escapa da fragilidade humana. Contudo quanto maior o compromisso, mais séria deveria ser a nossa fidelidade à verdade. Se a falsidade vem de quem ocupa altos cargos, maior é o prejuízo e o mau exemplo.

A verdade também está em jogo em relação ao mandamento de não matar. Não falo da morte física, mas do fato de odiar o irmão, de ter rejeição à sua pessoa. No entanto surgem as bajulações, os sorrisos, os cumprimentos e os elogios. Quantos gestos da nossa convivência “social” cheiram falsidade, fachada e oportunismo. No meio de tantas mentiras, é difícil saber quem é nosso amigo de verdade. Talvez, no final, seja mais sincero aquele que nos critica, porque quer o nosso bem, em lugar daquele que esconde os seus sentimentos e opiniões atrás de uma mascara de cortesia, desejando-nos, porém, no seu coração, todo o mal possível.

Às vezes me pergunto como seria a nossa sociedade sem falsidades, ou seja, se todos nós disséssemos sempre e somente a verdade. Alguns comércios iriam à falência. Alguns Congressos fechariam. Alguns Governantes renunciariam. A maioria dos juízes ficaria desempregada, porque os Tribunais não teriam mais questões a resolver. E as Igrejas? E a nossa Igreja?  Temos o compromisso de ser testemunhas da Boa Notícia, da verdade que nos liberta (cfr. Jo 8, 32). Não podemos nos acostumar com as mentiras e as falsidades. Precisamos amar e defender a verdade. Todos ganharíamos. A convivência social seria mais saudável. As famílias mais unidas. As festas do povo mais simples e sinceras. Desejaríamos, de coração, o bem para todos e o mal para ninguém. E pensar que desde criança nos ensinaram a dizer a verdade. Quando foi que começamos a esquecer?

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