Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora (MG)

Começamos o Advento, tempo de quatro semanas em preparação para o Natal. Composto de duas partes, o referido tempo litúrgico pretende auxiliar na expectativa da segunda vinda de Cristo nos fins dos tempos e para a celebração litúrgica do seu nascimento em Belém de Judá. A pessoa humana é convidada a vivenciar, em si mesma, a vida de Cristo que se dá pela assimilação de sua Palavra e pelas obras que compõem sua plena imersão na sua lógica.

No evangelho de São Mateus, capítulo 7, podemos ler uma claríssima instrução de Jesus a respeito da vivência da Palavra de Deus. Ali podemos perceber que não basta conhecer a Palavra e nem mesmo basta orar sobre a Palavra. Diz Jesus: Nem todo o que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no reino dos céus; mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, este entrará no reino dos céus (Mt 7,21).  Para maior seriedade ainda, vemos o Senhor asseverar: Muitos me dirão naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não profetizamos em vosso nome, em vosso nome não expelimos demônios, em vosso nome não fizemos muitos milagres?’ E então eu lhes direi bem alto: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que operais a iniquidade (Mt 7,22-23). 

Percebe-se, daí, que há maneiras de até mesmo causar certos prodígios vistosos, de ter eloquência de palavras, de fantasias religiosas, sem, contudo, estar verdadeiramente em união com o Senhor. Seria isto iludir aos outros e a si mesmo. Terrível seria provocar tais efeitos prodigiosos, em busca somente de poderio econômico, o que, infelizmente, tem acontecido com certas pseudoigrejas que baseiam sua pregação e sua obra na chamada teologia da prosperidade.

O Senhor exige de quem prega, de quem ora, de quem deseja vencer o mal, viver autenticamente a Palavra de Deus, colocando-se sincera e humildemente em submissão à vontade do Pai. Do contrário, tudo o que fazemos, até mesmo dizendo fazê-lo em nome de Deus, não terá nenhuma consistência e poderia ser causa de nossa condenação.

O esforço diário de colocar a Palavra de Deus em nossa vida é o fundamento sólido da nossa obra e de nossa salvação. Por isso o Senhor prossegue dizendo: Todo aquele que ouve a Palavra e a põe em prática será semelhante a um homem prudente que construiu sua casa sobre a rocha firme. Caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e investiram contra aquela casa, mas ela não desabou, porque estava edificada sobre a rocha (Mt.7,24-25).

Viver a Palavra é estar sempre aberto à ação do Espírito e sempre atento à vontade de Deus. Maria, figura bíblica central no Advento, foi a mais fiel servidora do Senhor, em quem o Altíssimo realizou maravilhas. Sua decisão de cumprir a vontade de Deus expressa ao anjo Gabriel, Eis aqui a Serva do Senhor, faça-se em mim a sua Palavra, é o protótipo para todos os que amam autenticamente a Cristo. Ela é a expressão máxima na Bíblia no que se refere à vivência da Palavra. Toda a sua existência, desde a anunciação, passando pelo nascimento e a infância de Jesus, passando pelos tormentos da paixão e morte de seu Filho, depois experimentando a alegria da ressurreição e, por fim, sua presença no dia de Pentecostes, no nascimento da Igreja, Maria é a imagem viva e reluzente de fidelidade a Deus e à sua Palavra. Pedro Apóstolo, fiel discípulo do Senhor, que experimentou também momentos de fraqueza humana, mas foi sempre confirmado pelo Senhor, pôde exclamar após o discurso eucarístico de Jesus, registrado no capítulo 6 de São João: Para onde iremos, Senhor, só Tu tens palavra de vida eterna (Jo 6,69).             

Somente pode possuir a vida eterna quem vive na Palavra do Senhor, como nos afirmou Jesus de forma clara e animadora: Quem guardar a minha Palavra não provará a morte (Jo 24, 52).

No Advento, a pessoa humana encontrará oportunidade de compreender, assimilar e vivenciar o que significa a vinda de Cristo para a humanidade e para cada pessoa em particular.

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