Nesta terça-feira, 15 de maio, completam-se 87 anos do lançamento da Encíclica Quadragesimo Anno que foi escrita pelo Papa Pio XI, em 1931, para comemorar os 40 anos do lançamento de outra Encíclica, a Rerum Novarum, de Leão XIII, publicada em 1891. Mas, o documento tem vida própria. O Papa resume suas pretensões: “julgamos dever Nosso aproveitar esta ocasião para recordar os grandes. benefícios que dela (Rerum Novarum) advieram à Igreja católica e a toda a humanidade; defender a doutrina social e econômica de tão grande Mestre satisfazendo a algumas dúvidas, desenvolvendo mais e precisando alguns pontos; finalmente, chamando a juízo o regime econômico moderno e instaurando processo ao socialismo, apontar a raiz do mal estar da sociedade contemporânea e mostrar-lhe ao mesmo tempo a única via de uma restauração salutar, que é a reforma cristã dos costumes“.
Resumo do Documento
Glória Rebelo, para o jornal português “Público” fez uma “revisita” à Encíclica e resume o documento do seguinte modo: “em resposta à crise de 1929 – a Igreja Católica, acerca da então ‘questão social e económica’, se posicionou sobre a relação entre a economia, a ética e a ordem social. Como realça esta encíclica, é um erro julgar a ordem econômica e a moral alheias entre si, importando, na regulação da atividade econômica, que se atenda não só ao interesse individual mas também ao bem comum. Procurava este enunciado alertar para os gravíssimos inconvenientes da repartição da riqueza de então e para a necessidade de se acautelarem diversos ‘ímpetos’ do capitalismo, evitando, em especial, que alguns grupos da população fossem excluídos do bem comum”.
Augusto da Silva, na revista também portuguesa “Análise Social”, no volume 28, de 19913, também tenta dar uma palavra de síntese sobre a Encíclica: “Pio XI, ao intitular a sua encíclica de Quadragesimo Anno, pretende situá-la num linha de continuidade, sem, no entanto, deixar de enunciar elementos novos que requerem progresso, compreensão e compromisso para se conseguir a restauração e aperfeiçoamento da ordem social. Com esse objectivo procede à revisão dos conceitos de propriedade, de trabalho e de salário, faz o julgamento de socialismo e introduz o conceito novo de subsidiariedade. Quanto à propriedade privada, acentua o seu carácter simultaneamente individual e social. Insiste com maior vigor nos deveres dos proprietários no uso dos bens e no destino dos rendimentos disponíveis. Reconhece também ao Estado o direito de intervir na definição do regime de propriedade, de modo a fazer-lhe cumprir a sua função social dentro da perspectiva do bem comum“.
E prossegue: “Ao trabalho reconhece uma dimensão pessoal e outra social. Chama a atenção para o fato de o trabalho e o capital se necessitarem mutuamente e por isso o fruto da sua ação conjunta dever ser repartido equitativamente por ambos. A propósito do salário reclama que ele seja suficiente para a subsistência do operário e da família e que na determinação do seu quantitativo se tenha em conta a situação da empresa, o nível geral dos salários, o custo de vida e o nível do emprego. Quanto ao socialismo, distingue Pio XI uma facção mais violenta, ou comunismo, e uma facção mais moderada, que conservou o nome de socialismo, mas que se abstém da violência e que abranda e limita, de algum modo, a luta de classes e a propriedade privada, para concluir: ‘Dir-se-ia que o socialismo, aterrado com as consequências que o comunismo deduziu dos seus próprios princípios, tende para as verdades que a tradição cristã sempre solenemente ensinou e delas, de certa maneira, se aproxima. É inegável que as suas reivindicações concordam, às vezes muitíssimo, com as reclamações dos católicos que trabalham na reforma social’“.
Ética na Economia
P. Antonio Aparecido Alves, Mestre em Ciências Sociais com especialização em Doutrina Social da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e Doutor em Teologia pela PUC-Rio, em artigo publicado em dezembro do ano passado, esclarece que “Diferente do tempo da Rerum Novarum, o operariado já havia conquistado alguns direitos. No entanto, se afirmava um sistema econômico cada vez mais feroz, renascido das cinzas de 1929, onde ‘a livre concorrência matou-se a si própria; à liberdade do mercado sucedeu o predomínio econômico; à avidez do lucro seguiu-se a desenfreada ambição de predomínio; toda a economia se tornou horrendamente dura, cruel, atroz’ (QA 109). É contra esse despotismo econômico que Pio XI levanta sua voz (QA 105-108), um modelo que ele chama de “imperialismo internacional bancário” (QA 109). Ele foi o primeiro a questionar uma pretensa autonomia absoluta da economia (QA 42-43), uma posição que se tornou emblemática e veio reafirmada em todas as encíclicas sociais posteriores”.
E o estudioso que também é professor na Faculdade Católica de São José dos Campos e Pároco na Paróquia São Benedito do Alto da Ponte em São José dos Campos (SP), ainda destaca: “A encíclica Quadragesimo anno enriqueceu o patrimônio da Doutrina social da Igreja. De um modo geral veio afirmar que Ética e Economia não podem se dissociar e que, por isso, a livre concorrência não pode servir de norma absoluta. Daí vem a apresentação de dois valores que deveriam nortear a vida econômica, que são a justiça e a caridade sociais (QA 88), que permaneceram como princípios da Doutrina social. Mais recentemente, com o magistério de João Paulo II, a caridade social começou a ser chamada de ‘solidariedade’”.
P. Antonio Aparecido tem um blog (www.caminhosevidas.com.br)no qual também trata da questão da Doutrina Social da Igreja conclui sua análise da Encíclica: “No que tange à propriedade privada, uma questão espinhosa no confronto com o liberalismo e o comunismo, Pio XI apresentou sua função social, colocando-a no devido lugar e não como um absoluto (QA 45-48). O Pontífice defendeu, ainda, que o salário do trabalhador deveria ser suficiente para que ele pudesse manter sua família de forma digna e honrada, de modo que a esposa não necessitasse trabalhar fora para complementar a renda familiar, sendo isso uma exigência da justiça social (QA 71). Pio XI formula, finalmente, expressamente e em tempo oportuno frente aos totalitarismos do seu tempo, o princípio de subsidiariedade (QA 79), um dos mais típicos e representativos da Doutrina social, uma chave para uma organização da sociedade verdadeiramente democrática“.