O arcebispo de Feira de Santana (BA), dom Zanoni Demettino Castro, e bispo referencial da Pastoral Afro-Brasileira, disse durante a Celebração Eucarística, às 19h30, no Convento São Francisco, na região central de São Paulo, que o povo brasileiro não pode perder a esperança, pois essa é a identidade e missão do cristão. Dom Zanoni reforçou que é nos momento de crise, como a crise pela qual o Brasil está atravessando, que deve-se valorizar a resistência. Ele foi o presidente da Santa Missa, que teve como concelebrantes os bispos dom Antônio Wagner da Silva, de Guarapuava (PR), e dom Eduardo Viera dos Santos, de São Paulo.
Os três bispos se juntaram a padres e diáconos negros de diferentes dioceses brasileiras para participar da 29ª Assembleia Geral do Instituto Mariama, que começou no dia 29 de julho e terminou na quarta-feira, 31. A Associação de Bispos, Presbíteros e Diáconos Negros se constitui como sociedade civil de direito privado, de âmbito nacional, sem fins não econômicos e sem vínculos político-partidários. O Instituto foi criado há 29 anos e nasceu a partir da necessidade de recuperar as tradições, a religiosidade, a fé cristã vivida e celebrada na comunidade negra.
Presentes na Celebração Eucarística estavam o guardião do convento São Francisco, frei Mário Tagliari; o presidente da Educafro, frei David Raimundo dos Santos; e representantes da Pastoral Afro de diversas paróquias de São Paulo. A liturgia foi animada pelas “Pastoras do Rosário”, um grupo musical conhecido da Comunidade do Rosário dos Homens Pretos do bairro Penha de França.
Segundo o arcebispo de Feira de Santana, presbíteros, diáconos e bispos assumem sua negritude com orgulho e compromisso e refletem sobre a missão evangelizadora da Igreja, tendo presente a vida concreta do povo, sobretudo o povo negro. “Como bispos e presbíteros negros, nos perguntamos sobre a maneira eficaz de sermos fiéis ao mandato evangelizador do mestre Jesus”, explicou dom Zanoni, que fez a primeira conferência do encontro partindo dos documentos das conferências episcopais latino-americanas e, sobretudo, a partir do ensinamento do papa Francisco. O padre Benedito Ferraro, professor emérito da PUC de Campinas (SP), enfocou o tema central sobre o ponto de vista cristológico.
Segundo dom Zanoni, ser cristão é acreditar que essa profecia, esse desejo de vida, de partilha, de solidariedade, não somente do povo de Israel mas de todas as nações, “realiza-se no caminho de Jesus, naquele que passou a vida fazendo o bem, naquele que não teve preconceito para com o estrangeiro, naquele que não quis impor a lei sobre as costas das pessoas, que amou sem impor condição”, acrescentou.
Comentando a parábola do joio e do trigo, o arcebispo disse que a tentação é logo separar o joio do trigo. “Mas o ensinamento de Jesus nos aponta para uma realidade futura nova: o julgamento. Talvez nós tenhamos essa dificuldade de enfrentar, no momento, tanta diversidade e desrespeito à vida”, observou, lamentando a situação das comunidades indígenas com o atentado no Amapá, a morte ‘desses irmãos’ no presídio Pará, a realidade de sofrimento que vive o povo brasileiro, o crescimento assustador do extermínio da juventude negra. “Nós vivemos nesse mundo de crise e como podemos plasmar uma nova sociedade? Quem vai construir um novo céu uma nota terra?”, assinalou.
Segundo dom Zanoni, como ensina a Conferência de Aparecida (SP) exige dos cristãos uma resposta: “ser sujeitos da gestação de um mundo novo de paz e de justiça”, assinalou. Para dom Zanoni, não são os youtubers, os jogadores milionários, os donos do mercado, aqueles que detêm a riqueza e o poder, que vão plasmar esse novo céu, mas “a nossa pertença à Igreja, que não é uma construção de pedra, uma ONG, nem somente a hierarquia, mas a comunidade daqueles que acreditam em Jesus”, enfatizou.
Desigualdade entre negros e brancos no Brasil – Segundo dom Zanoni, citando o papa João Paulo II, há mais de trinta anos, os ricos estão cada vez mais ricos às custas dos pobres e os pobres cada vez mais pobres. “E essa realidade só se agravou. Tem crescido por demais a desigualdade. E a nossa preocupação é quando se prioriza políticas de endeusamento do lucro e se esquece das pessoas. E à Igreja – creio que é sua missão – cabe aliar-se e se comprometer com toda a luta que resgate a vida das pessoas, que restaure vidas, que gere ações afirmativas. Creio que esse é o caminho, justamente com o povo negro, com a juventude negra, com esse povo que passou 300 anos de escravidão, esse crime de lesa humanidade. É aquilo que o papa Francisco tem insistido: “precisamos pensar uma nova economia, uma nova ordem mundial de solidariedade e paz”, ressaltou.
Segundo dados do IBGE, 53% da população brasileira é formada por negros e negras, sendo que 70% dessa população vive na extrema pobreza. “A população negra tem três vezes mais o número de assassinatos entre os jovens negros. Somos a terceira população carcerária, onde a maioria é de negros. São consequências da escravidão que não restaurou, não repartiu a riqueza”, lamenta dom Zanoni, lembrando que a Pastoral Afro, assim como a Pastoral Carcerária, têm como missão ser cuidadores e zeladores, como o Bom Pastor. “Então, evangelizar, como nos ensina o Papa Paulo Vi, não é oferecer um verniz superficial, mas ter presente a concretude da vida. Estar bem presente com seus sonhos, suas alegrias, suas expectativas, suas angústias, dores, mas sobretudo a esperança. A Pastoral Afro tem que estar presente em toda a ação da Igreja de maneira transversal”, indicou.
A população negra também sofre, hoje também, com a intolerância religiosa. Segundo dados da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro, o número de ataques contra religiões de matizes africanas subiu 70% no Estado. “Nós, de fato, observamos uma demonização das coisas do negro. Da religião do negro. Por que só a cultura dos nórdicos, a cultura europeia, é tida como boa?”, perguntou o arcebispo.
Com informações e fotos da Província Francisca da Imaculada Conceição no Brasil (OFM)